Freud (II)



Progressivamente, Freud abandonou a hipnose e começou a usar a catarse com os seus pacientes, através do método da associação livre. Era o início daquilo que hoje é conhecido por psicanálise, palavra que foi empregada pela primeira vez em 1896.

À medida que Freud e Breuer trabalhavam juntos, mais se afastavam nas suas convicções. Breuer rejeitava a sexualidade como causa das neuroses, teoria defendida por Freud. A relação entre os dois começou a azedar. Um ano depois da publicação do livro de co-autoria “Estudos sobre a histeria” romperam definitivamente a amizade. Este foi o primeiro caso do fastamento de um amigo íntimo. Mais tarde aconteceria o mesmo com Fliess.

Freud começa a fazer a auto-análise sistemática dos seus sonhos a partir 1895. É com o seu amigo e confidente Fliess que, mais uma vez, partilha as suas experiências. Freud chega a confessar-lhe que tem dúvidas sobre a eficácia da auto-análise, sugerindo que o amigo o terá ajudado na interpretação dos seus sonhos nesta fase.

O complexo de Édipo
Em 1896 morreu o pai de Freud. Este episódio terá sido traumático para Sigmund, que recupera a auto-análise dos sonhos. Foi neste período, juntamente com a experiência retirada de algumas das suas pacientes, que Freud mergulhou à descoberta do complexo de Édipo. Começou a esboçar a teoria de que, desde crianças, os rapazes nutrem uma recalcada paixão pela mãe, ao mesmo tempo que têm ferozes ciúmes do pai.
Numa das muitas cartas endereçadas a Fliess (esta datada de 1897), Freud confessa ao seu amigo: “Ocorreu-me ao espírito uma única ideia de valor geral. Encontrei em mim sentimentos de amor para com minha mãe e de ciúme para com meu pai, sentimentos que são, acho eu, comuns a todas as crianças pequenas.”
Esta fase marca o início da definição em concreto da sua nova teoria do sonho e do inconsciente, centrada no recalcamento e no complexo de Édipo.

A Interpretação dos Sonhos
A nova teoria do inconsciente deu origem à obra-prima de Freud, “A Interpretação dos Sonhos”. O livro foi publicado em novembro de 1899, mas Freud fez questão que a data impressa fosse 1900. O objetivo era colocar a obra no novo século, o XX, dando assim uma ideia prolongada de modernidade.
A primeira edição de “A interpretação dos sonhos” foi um fracasso editorial e académico. Entre a venda de umas escassas centenas de exemplares, à volta da teoria do livro começou a juntar-se uns também escassos neurologista, futuros psicanalistas freudianos, mas de nomes conceituados. Do grupo inicial conta-se, entre outros, Alfred Adler, e mais tarde juntar-se-ia Carl Yung.
Enquanto Freud reunia um novo grupo de amigos, perdia um dos seus mais íntimos: a  rutura definitiva com Fliess ocorreu em 1902.

Movimento psicanalítico
Em 1902, juntamente com os seus novos admiradores, fundou a Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras, o primeiro movimento psicanalítico e grupo freudiano, que mais tarde daria origem à Sociedade Psicanalítica de Viena e posteriormente à Associação Internacional de Psicanálise (1933).
Carl Jung, jovem suíço assistente universitário (mais tarde mundialmente famoso), foi a Viena, em 1907, para conhecer Freud. Jung tornou-se no primeiro discípulo de Freud não judeu.
Em 1909, Freud, acompanhado pelo seu discípulo Jung (mas que nesta altura já esboçava os primeiros sinais de discordância com o mestre) foi aos Estados Unidos dar uma série de cinco conferências (que mais tarde seriam publicadas com o título “Cinco lições de psicanálise”). Ao pisar pela primeira vez o solo norte-americano, Freud terá “murmurado: “Trago-vos a peste!” (referindo-se às suas teorias revolucionárias)

Cisões no grupo
É em 1911 que se dá a grande rutura do movimento psicanalítico que gravitacionava à volta de Freud. Adler separou-se do grupo e, dois anos depois, Carl Jung e Freud acabaram com a amizade que os unia. Mais uma vez, Freud via-se afastado de alguns dos seus melhores amigos.
Não aceitando o mínimo desvio que fizessem às suas teorias, Freud, revoltado, escreveu em 1913 “A história do movimento psicanalítico”, no qual denunciou aquilo que considerou de “traições” de Jung e Adler. Obstinado pela sua doutrina e não suportando mais “traições”, criou um comité secreto, composto de alguns dos seus seguidores e aos quais distribuiu um anel de fidelidade.
Freud não conseguiu evitar querelas e a sua intransigência terá até contribuído para novas dissidências. Em 1930, com outro notável, Wilhelm Reich, a afastar-se de Freud, já não se assiste a discordâncias profundas mas a cisões irreversíveis. Criaram-se vários grupos que se digladiavam entre si.
Isolado em Viena, apesar de ser uma celebridade, Freud prosseguiu sua obra, sem conseguir sem nunca conseguir “controlar” o movimento psicanalítico que fundara.

Cancro e exílio
Em 1923, Freud descobriu, no seu palato, um tumor maligno, derivado do tabaco. No mesmo ano Freud foi sujeito à primeira intervenção cirúrgica e radical: foi retirado
os maxilares e a parte direita do palato. Freud passou a usar uma prótese na boca. Até à sua morte, em 1939, seguiram-se mais 30 operações.
Em 1938 a Áustria foi invadida pelo exército nazi alemão. Começou a onda anti-semita. Os livros de Freud foram queimados e a sua família ameaçada. Abandonou Viena (mesmo assim contrariado) com a ajuda de um diplomata norte-americano, William Bullitt, e de Marie Bonaparte, que pagou um suborno para a família Freud poder sair da Áustria.
Em Londres viveu o último ano de vida. Nunca soube que as suas quatro irmãs foram
exterminadas pelos nazis em campos de concentração.
O escritor austríaco Stefan Zweig, um dos mais famosos da sua época, amigo de Freud, relata os últimos momentos do pai da psicanálise.
Em 21 de Setembro de 1939, chamou o seu médico Max Schur e disse: “Prometeu-me não me abandonar quando chegasse a hora. Agora é só tortura sem sentido.” E acrescentou: “Fale com Anna, se ela achar que está bem, vamos acabar com isso.”
Anna, a mulher de Freud, no princípio não aceitou, mas depois cedeu perante os argumentos de Max Schur.
Anna deu a Sigmund três injeções de três centigramas de morfina cada. Depois de dois dias de coma, no dia 23 de Setembro de 1939, às três horas da manhã, Sigmund Freud morreu tranquilamente.


Excerto do documentário francês "A invenção da psicanálise", onde há o registo em áudio de uma declaração de Freud, em inglês, para a BBC de Londres. A voz de Freud é acompanhada com pequenos filmes domésticos realizados por Marie Bonaparte.




Documentário “A Interpretação dos Sonhos de Freud” (Discovery Channel)
Duração: 51 minutos